17 dezembro 2010

12ª Lição- Platão- LivroX da República e Magritte



DESVALORIZAÇÃO da ARTE

As doutrinas estéticas de Platão são algo oscilantes entre uma valorização e uma desvalorização da arte. Em todo caso, no conjunto do seu pensamento, em oposição ao seu génio e ao génio artístico grego, prevalece a desvalorização por dois motivos um teórico e outro prático.
O motivo teórico é que a arte resultaria como cópia de uma cópia: cópia do mundo empírico, que é já uma cópia do mundo ideal; cópia não de essências, como a ciência, mas de fenómenos. Por consequência, a arte deveria ser, gnosiologicamente, inferior à ciência.
O motivo prático é que a arte, impura fonte gnosiológica - torna-se um tanto perigosa no campo moral. Actuando cegamente sobre o sentimento, a arte tanto atrai para o verdadeiro, como para o falso, para o bem como para o mal.


Na República a Arte é discutida do ponto de vista do educador, do homem de Estado.
Platão está interessado no aspecto social da obra de arte e não na obra de arte em si, nem no artista
Platão está consciente da importância e influência da arte na vida das pessoas:

Mas então só aos poetas é que devemos vigiar e forçá-los a introduzir nos seus versos a imagem do carácter bom, ou então a não poetarem entre nós? Ou devemos vigiar também os outros artistas e impedi-los de introduzir na sua obra o vício, a licença, a baixeza, o indecoro quer na pintura de seres vivos, quer nos edifícios, quer em qualquer outra obra de arte? E se não forem capazes disso, não deverão ser proibidos de exercer o seu mester entre nós?" (A República – 401b)





O que Platão disse sobre a arte, é que a arte é imitação. Esta afirmação não pode ser uma definição da arte, dado que, entendendo-a como uma definição, identifica a arte com a imitação, mas nem toda a imitação é arte.
A afirmação de Platão é, no melhor dos casos, uma definição parcial, quer dizer, a pressuposição de que a imitação é uma condição necessária para que algo seja arte.
Se Platão tivesse tido um interesse teórico centralizado na arte, quem sabe, teria tratado de especificar uma segunda condição ou um conjunto de condições ulteriores que distinguiriam aquelas imitações que são arte daquelas que não o são. Se tivesse feito esta especificação, então teríamos uma teoria platónica da arte.


A poesia só será permitida se imitar a verdade, a essência, e não se for uma imitação ignorante.


No livro X, Platão faz uma objecção às artes fundamentada na teoria das Ideias. (597a)
Os carpinteiros fazem camas, de todos os tipos, e o pintor ao pintar uma cama, reproduz apenas a sua aparência, vista de um ângulo particular e limitado



Há 3 níveis de realidade: Ideias, a Realidade Sensível e a Arte


-A Arte entendida como imitação, só deveria representar o que é bom e adequado à vida humana.
-Platão defende que o mal, as emoções fortes, e mesmo a representação do vento ou da tempestade, são de evitar.
-Nenhuma acção má pode ser representada em palco, poderia apenas ser narrada, mas não representada, como é o caso da Hybris, crime, na Tragédia

Platão justifica a expulsão dos poetas da cidade com o argumento de estes são excessivos e perigosos, e que seremos influenciados na nossa vida pelas emoções que a arte nos transmite, como a dor, a paixão, o ridículo, etc.:

“Se pensares que a parte da alma que há pouco contínhamos pela força, nos nossos desgostos pessoais, que tem sede de lágrimas e de gemidos em abundância, até se saciar, porque a sua natureza é tal que a leva a ter esses desejos, é , nessas alturas, a parte a que os poetas dão satisfação e regozijo.”
Platão- A República, (606 a)





É com base neste argumento que, Platão defende que somente se devem receber na cidade hinos aos deuses e encómios aos varões honestos e mais nada:

“Se porém, acolheres a Musa aprazível na lírica ou na epopeia, governarão a tua cidade o prazer e a dor, em lugar da lei e do princípio que a comunidade considere, em todas as circunstâncias, o melhor.” Platão, República, (607 a) pág. 475




Platão julga as artes segundo as suas possíveis consequências na vida social.
Na República e nas Leis, Platão condena a Tragédia por razões interessantes:
A Tragédia habitua o espectador a ver no palco ilustres heróis a sofrer, a queixarem-se e a leva que o espectador aprecie e sinta prazer ao ver o sofrimento do outro.

A discussão no livro X começa lembrando que muita da poesia foi rejeitada por ser mimética. (referência ao livro III- a poesia que imita de modo livre é rejeitada)
Seguidamente critica a Tragédia e a Comédia e mesmo a representação dos poemas de Homero, a que chama, o primeiro dos trágicos, porque na representação não há sentido crítico.
Muita poesia lírica não seria permitida na cidade ideal de Platão (mas também não seriam permitidos os oradores, sofistas).



Livro III da República:
Poesia narrativa: Ditirâmbica (relata, lê)
Poesia mimética: Tragédia e Comédia (representa)
Poesia Mista : Mistura as duas anteriores
A maioria da poesia está cheia de mentiras, de imoralidades, ódios, traições e relatos de violência. Deve ser rejeitada! A poesia só deve imitar homens de bem.
A poesia é criticada tendo em vista as suas consequências na educação dos Guardiões! Preocupação Moral


Rejeita em absoluto a Poesia!
Não deve ser executada nem ouvida
Critica a natureza da Mimesis (imita a realidade sensível)
Critica a actividade poética, os poetas não têm conhecimentos verdadeiros, iludem a inteligência dos espectadores
A poesia dirige-se à emoção e não à razão, o lado mais nobre da alma humana
No livro X a Mimesis é rejeitada por causas ontológicas, porque está três graus afastado das Ideias.
O pintor e o poeta são imitadores e não criadores!











Magritte- A Traição das Imagens

“The famous pipe. How people reproached me for it! And yet, could you stuff my pipe? No, it's just a representation, is it not? So if I had written on my picture "This is a pipe," I'd have been lying!” Magritte


Quando Magritte afirma “isto não é um cachimbo”, ele parece querer defender-se de Platão, ao afirmar que não tem a pretensão de imitar um cachimbo, ele está consciente que está a fazer uma mera representação.
Este pintor assume a sua intelectualidade e recusa a acusação de ignorância.

Para Platão, a arte deveria encaixar-se numa relação triádica entre o justo, o belo e o bom. Por ela tem um carácter enganador, falso, não deveria existir na cidade ideal.
A arte seria uma reprodução da coisa q existe por participação na ideia.
Magritte esvazia o recheio de uma realidade nessa obra; a materialidade, o físico é refutado por uma frase. Uma expressão é responsável pela quebra de perspectivas estéticas e visuais: N'est pas. É uma luta contra a tendência ilusória dos olhos, um rompimento da sensibilidade inconsciente.

O pintor e o poeta são imitadores. Assim como o primeiro imita, não aquilo que é verdadeiramente, mas o que aparenta ser, também o poeta faz o mesmo ao imitar todas as coisas sem as conhecer verdadeiramente. o imitador gera ilusão e aparenta conhecer, mesmo não conhecendo o objecto que imita em profundidade.


No início do livro X de A República, Platão expõe que a mimesis pode representar apenas um aspecto, seja ele frontal ou lateral de um objeto, e nunca o objeto como o todo. Sendo assim, a mimesis está ligada do múltiplo sensível, e não ao ser. É portanto contrária à ciência, pois trata do oposto do que é.

Os poetas, tinham por função a manutenção das tradições orais. A educação pela poesia visava manter o ethos e a educação. Platão faz uma analogia entre a atividade mimética dos pintores e os poetas, pois estes tratavam de diversos assuntos diferentes, da virtude e das coisas divinas, sendo mesmo uma espécie de enciclopédia tribal.

Platão conclui que a mimesis dos poetas é uma imitação de um simulacro da virtude.

A poesia imita o homem em todas as suas contradições internas, conflitos, felicidades e infelicidades.
E é ao representá-los que os coloca como verdades aparentes.
Com isso, a poesia dificulta a educação do homem, na medida em que dando à ilusão aparência de verdade, afasta-os do conhecimento, da verdade O poeta é, nas cidades comuns, um “formador de opinião”, já que cria os mitos fundadores da cultura.
Por isso, tal como os pintores, e ainda mais que eles, não têm lugar na cidade Ideal, cuja constituição é regida pela Filosofia.

A actividade poética, quando permite a contradição, faz parte de uma faculdade da alma que é contrária à ciência, pois se baseia no relato físico, sensível, que é alheio à razão.

Logo, mimesis está ligada à pior parte da alma, a parte das paixões, a concupiscência, que não tem em vista nada a de verdadeiro, e foge ao bom senso.

A Arte entendida como imitação, só deveria representar o que é bom e adequado à vida humana
Platão defende que o mal, as emoções fortes, e mesmo a representação do vento ou da tempestade, são de evitar.


Nenhuma acção má podia ser representada em palco, poderia apenas ser narrada, mas não representada, como é o caso da Hybris, crime, na Tragédia

Platão julga as artes segundo as suas possíveis consequências na vida social.

Na República e nas Leis, Platão condena a Tragédia por razões interessantes:
A Tragédia habitua o espectador a ver no palco ilustres heróis a sofrer, e isso leva a que o espectador aprecie e sinta prazer ao ver o sofrimento do outro.

Rejeita em absoluto a Poesia!
Não deve ser executada nem ouvida

Critica a natureza da Mimesis (imita a realidade sensível)
Critica a actividade poética, os poetas não têm conhecimentos verdadeiros, iludem a inteligência dos espectadores A Poesia é imoral, representa os vícios e as fraquezas. Dirige-se à emoção e não à razão, o lado mais nobre da alma humana.
O pintor e o poeta são imitadores ignorantes e não criadores!

Foi o próprio Platão a chamar a atenção para a existência de "um grande combate" (608b), aquele travado entre a razão e a imagem, entre o discurso racional e as artes (miméticas),
o "antigo diferendo entre a filosofia e a poesia" (607b)

A mímesis seria responsabilizada por oferecer apenas ausência, falta, simulacro, aparência e, ao mesmo tempo, através dos seus poderes excessivos, a sua força extraordinária de arrebatamento e atracção para as emoções e não para a razão.

Além de executar suas obras "longe da verdade", a pintura, a poesia, todas artes miméticas de um modo geral, colocam-nos ante a parte em nós mesmos mais distante do bom-senso (603b), do razoável e da lei e, no entanto, insiste Platão, a melhor parte de nós seria aquela que quer seguir a razão, sendo a outra aquela "que nos leva à recordação do sofrimento e aos gemidos e que nunca se sacia deles" (604d).
Essa parte fraca, irracional, propensa à covardia, mostra-se exactamente como material perfeito para a imitação, "ao passo que o carácter sensato e calmo, sempre igual a si mesmo, nem é fácil de imitar nem, quando se imita, é fácil de compreender", sobretudo quando se trata da arte produzida para os festivais dramáticos, em que se apresentavam as tragédias (604d1e).

11 dezembro 2010

11ª Lição - Hípias Maior (Platão)

PLATÃO- HÍPIAS MAIOR


- O Hípias Maior, tem o privilégio singular de ser o primeiro dos diálogos estéticos consagrados ao tema do ‘Belo’.

- Diálogo da juventude (primeira fase - socrática) de Platão

- Quais as suas fontes estéticas?
É um diálogo refutativo e anti-sofístico, que visa destruir os antigos argumentos e impor um sistema novo
Tenta de alguma maneira varrer as teorias mitológicas, nomeadamente a que se prende com Apolo, deus da poesia e da música e as teorias mitológicas acerca das musas




Diálogo com o sofista Hípias de Atenas.
Indagação sobre o Belo

1. Sócrates elogia (ironicamente) Hípias pela sua sabedoria, própria dos sofistas, que para além de dominarem a esfera pública e privada, ainda recebem grandes lucros.
Hípias gaba-se bastante dos seus dons oratórios
Sócrates questiona-o acerca da questão da educação, uma vez que os sofistas são os “mestres da virtude.

2. Hípias vê-se num impasse, obrigado a reconhecer que não consegue transmitir a arete (virtude) aos habitantes de Lacedemónios, que por se considerarem virtuosos por natureza não aceitam essa lição de um sofista estrangeiro
Hípias admite no entanto que eles são capazes de escutar os seus discursos com interesse, como o último discurso que lhes fez intitulado “As Belas ocupações”
É aqui que se introduz o tema do Belo

4. Sócrates pergunta-lhe de forma insistente: “O que é o Belo?”
Hípias desvaloriza, referindo-se à insignificância da pergunta
Hípias começa por cometer um erro, que é não distinguir entre o conceito e o exemplo de belo.
Revela incapacidade de abstracção lógica
“O belo é uma bela rapariga, uma bela lira, uma bela marmita…”

5. Hípias cai no Relativismo
Sócrates indaga-o acerca do Belo em si
Belo em si, aquilo que é comum a todas as coisas belas, a razão de ser da beleza das coisas
Sócrates procura o eidos, o carácter
“o belo em si não é nem este objecto nem aquele, mas qualquer coisa que lhe comunica o seu próprio carácter
A segunda tentativa de Hípias também é falhada: “o belo é o ouro”
Cai em contradição, pois Sócrates mostra-lhe exemplos em que esculturas noutros materiais podem também ser belas
Hípias conclui que uma coisa é mais bela quando é apropriada à sua função: uma colher de pau é mais bela para fazer um puré do que uma de ouro…
Hípias defende que a beleza é a Conveniência
Sócrates vai rapidamente refutar esta resposta: a conveniência é uma relação entre vários objectos, logo entre as partes de um todo. Se as partes são belas a beleza não vem da sua disposição, e se as partes não são belas a disposição só pode produzir a aparência do belo
Surge então a segunda tentativa de definição: o belo é o útil


6. Hípias vai, pois, representar no diálogo a opinião da maioria. Contudo, Hípias é ao mesmo tempo considerado o Saber Supremo, para si e para a sociedade do seu tempo, – com a maioria e o senso comum – o expoente máximo do pensamento racional, no domínio da lógica, da matemática, da ciência. Neste sentido, para Hípias (qualquer hípias) não existe Sabedoria (Arte ou Dialéctica) mais além dos seus próprios limites – não lhe é concebível (tal como nos dias de hoje), pois não é uma questão de vontade, é algo ausente da sua mentalidade e de que jamais terá consciência – jamais poderá alcançar o Belo (a Arte) e a Dialéctica.

7. O Belo é um prazer inteligível, dado pelo reconhecimento no espírito da ideia da realidade do objecto, do facto, por isso só apreensível pelo ver ou pelo ouvir (os dois sentidos que transportam o mundo exterior ao inteligível), ou pelos dois sentidos em conjunto.
Todavia, não apenas pela vista ou pelo ouvido, pela percepção do objecto, considerando que não é propriedade dos sentidos, pois apenas passa por eles para se manifestar no espírito, ao inteligível, pela noésis.
Como a Dialéctica, desenvolve-se a partir das mais intimas zonas do Ser (do sensível ao afectivo e emocional), enraizando-se nos seus desejos mais profundos, percorrendo o racional e ultrapassando-o, emergindo no espírito como uma clarividência.
Hípias está muito longe de compreender ou apreender isso, e Sócrates reconhece que só por vezes tais coisas lhe passam pela cabeça.

6. O Belo é a potência para se fazer alguma coisa: “um belo atleta”, “um belo navio”
Aptidão para atingir um fim
Sócrates vai testar esta afirmação, reflectindo acerca das consequências
E se o fim a atingir for mau?
Não é admissível que o que é belo não seja bom e vice-versa
Então Hípias corrige de “Útil” para “Proveitoso”

7. A discussão passa para o plano da ética
Na verdade continuamos no campo do concreto e não do abstracto (belo em si continua por definir)
“O belo é a causa do Bem”
Esta definição é também rejeitada por Sócrates
A beleza visual, das pessoas e das obras de arte, bem como a beleza auditiva, das vozes das musas, da lira, conduz a uma nova definição:
O Belo é o que é agradável à vista e ao ouvido



8. A qualidade “agradável” não serve para caracterizar a beleza, pois nesse caso todos os restantes prazeres, incluindo os mais feios, seriam belos, o que não faz sentido.
Hípias insiste no agradável unicamente à vista e ao ouvido e tentar ainda pegar no conceito “proveitoso” anteriormente rejeitado.
Defesa do prazer com metron, medida. O ouvido e a vista através das artes que representam, música, pintura, escultura e arquitectura usam a métrica e os canons que se fundamentam no número (elemento inteligível entre o sensualismo do prazer).
Mais uma vez cai na aporia de juntar no belo o ético e o estético e de continuar a falar de coisas belas e não do Belo em si.
Ambos concluem que “o Belo é difícil.”

21 novembro 2010

Calíope: Musa da Epopeia e da Poesia Épica



"Musa Calíope" de Cesare Dandini (1595- 1658)








Calíope: Musa da Epopeia, da Poesia Épica, da Eloquência, considerada a mais velha e sábia das nove musas, que tem por missão a inspiração dos seres humanos para que estes se tornem criativos na arte e na ciência.





9ª Lição- 'Fedro' de Platão

FEDRO - Platão(2º Discurso de Sócrates)


O amor é então concebido em função de seu carácter irresistível, e da sua força destemperada.
Desse modo, há uma crítica ao desejo, tornando a potencia de Eros, por definição, condenável ou censurável.
A partir desta crítica ao desejo e ao amor do amante, inicia-se o Segundo Discurso Socrático.


A refutação socrática do discurso de Lísias que condena o amor-paixão e defende um amor sem eros, pretende demonstrar que o delírio e a possessão divina representam antes um benefício ou um dom.
Dádiva dos deuses e fonte de sabedoria, a loucura divina se distingue da loucura vulgar, cuja causa é devida às doenças do corpo.
É da mania divina que provém nossos maiores benefícios: é ela que inspira as profetizas de Delfos e os poetas (244a-245a).

No Segundo Discurso de Sócrates no Fedro, este irá tecer uma série de considerações acerca da Mania, ou loucura inspirada pelas musas.
Neste diálogo desenvolvem o tema do amor e da loucura do apaixonado, que fora de si, fica com o seu entendimento escravo da paixão e incapaz de ser sensato ou racional.

A arte de adivinhar o futuro chama-se maniké, arte delirante
Aqui delírio é uma virtude porque é inspirada pelos deuses
A loucura inspirada pelos deuses é, por sua beleza, superior à sabedoria de que os homens são autores

Sócrates afirma, que ainda assim, há um tipo de Loucura que não resulta num mal, e essa loucura é a que é inspirada pelos deuses.
Ex.: Delírio das profetizas de Delfos
Há uma loucura dessa natureza, que é a loucura inspirada pelas Musas.

245b “Seja quem for que, sem a loucura das Musas, se apresente nos umbrais da Poesia, na convicção de que basta a habilidade para fazer o poeta, esse não passará de um poeta frustrado, e será ofuscado pela arte poética que jorra daquele a quem a loucura possui.”

8ª Lição- 'Íon' de Platão

Íon — pertence ao primeiro grupo dos diálogos de Platão e relata uma conversa entre Sócrates e Íon de Éfeso, um rapsodo muito conhecido em Atenas. Não sabemos a data exacta da composição, mas a partir de diversas informações contidas no texto é possível situá-la entre 394 e 391 a. C.
Diálogo entre Sócrates e Ion, célebre rapsodo (artista popular, declamador de poesia)



Ion é orgulha-se de ser o melhor a declamar Homero
Sócrates indaga o motivo de ser Homero e não outro qualquer
Ion acha que há “qualquer coisa” em Homero que é especial, diferente dos outros
Íon, recém-chegado a Atenas, conta a Sócrates que acabara de vencer o concurso do festival de Asclépio em Epidauro e gaba-se de sua capacidade de declamar e comentar os poemas homéricos. Depois de cumprimentar o rapsodo, Sócrates começa a interrogá-lo (530a-531a).
Sócrates leva Íon a reconhecer que não é pela técnica que se possa aprender que ele é melhor a declamar Homero, mas por uma espécie de paixão que o move e o leva a preferir Homero a todos os outros poetas:

534c- "Sócrates.: Vejo, Íon, que não há uma técnica, mas uma potência divina que te movimenta, como na pedra que Eurípides nomeou Magnética, e que muitos a chamam de Hércules. Essa pedra não só atrai os anéis mesmo de ferro, como os infunde poder de modo a novamente fazê-los ter o mesmo poder que a pedra, isto é, atrair outros anéis,(…) . Assim, a Musa mesma faz os inspirados; e através desses inspirados, outros se entusiasmando, formam uma cadeia. Com efeito, todos os poetas épicos, os bons, não por técnica, mas sendo inspirados e possuídos, dizem todos esses belos poemas. Os poetas líricos, os bons, igualmente; como os coribantes não estando conscientes dançam, assim também os poetas líricos não estando conscientes fazem esses belos versos líricos; e quando entram em harmonia e no ritmo, comportam-se como bacantes e ficam possuídos; tal como as bacantes retiram mel e leite dos rios ficam possuídas e não estando conscientes; e também a alma dos poetas líricos elabora isso, que eles mesmos afirmam. Dizem-nos os poetas, é evidente, que das fontes que vertem mel de certos jardins e bosques das Musas que eles nos trazem seus versos líricos. Como as abelhas, eles assim voam; e dizem verdade.
Leve é coisa do poeta, alada e sagrada; e inicialmente não consegue compor, antes de se tornar inspirado, de ficar fora de si e o pensamento não habita mais nele; até que tenha essa aquisição, todo homem é incapaz de compor e de proferir oráculos. Então, já que não é por técnica que eles fazem e dizem muitas e belas coisas sobre os acontecimentos, como tu sobre Homero, mas por parte divina; cada qual é capaz de compor de maneira bela só naquele género para o qual a Musa o precipitou: este para os ditirambos, o outro para os encómios, aquele para os épicos, o outro para os jambos, e cada um deles é medíocre nos outros géneros. Pois não dizem essas coisas por técnica, mas pelo poder divino portanto, diz: porque se eles soubessem falar bem a respeito de uma delas por técnica, também saberiam falar bem de todas as outras: por isso, o Deus extraindo o pensamento desses usa-os como auxiliares, profetas e adivinhos divinos, a fim de que nós, os ouvintes, saibamos que não são estes os que falam as mesmas coisas assim muito dignas, pois o seu pensamento não está presente, mas é o próprio Deus o comunicante, através deles se comunica connosco. "

Sócrates pensa que o motivo que leva Ion a ser o melhor a declamar Homero, é:
“- Não é um assunto que tenhas aprendido, a falar acerca de Homero, mas antes é um poder divino que te move, como uma pedra magnética move anéis de ferro (…) da mesma maneira com que a musa faz com que algumas pessoas fiquem inspiradas” 534b

“Nenhum dos poetas, se são bons, são donos do seu saber, eles são inspirados, possuídos, e é assim que eles produzem os seus belos poemas.
É uma possessão, eles não estão em si próprios. Um poeta não é capaz de produzir poesia enquanto não estiver inspirado e saia da sua mente e o seu intelecto o abandone. Enquanto a musa tiver na posse do intelecto humano, ele terá sempre o poder de fazer poesia e cantar profecias. Por isso não é através da aprendizagem que eles fazem poemas ou dizem coisas encantadoras, mas porque é uma dádiva dos deuses.” 534b-c
535e
"Sócrates- Deus nos apontou, a fim de que não duvidássemos, que não são humanos estes belos poemas, nem dos homens, mas divinos e dos deuses; e que os poetas nada mais são que intérpretes dos deuses, e cada um é possuído pelo deus que o possuir. O Deus mostrando essas coisas de propósito, através do mais medíocre poeta cantou o mais belo verso lírico: ou não te pareço dizer a verdade, Íon?
Íon: Sim, por Zeus, ao menos para mim! Tocas de algum modo minha alma com esses discursos, Sócrates, parece-me que é por parte divina que os bons poetas interpretam para nós as coisas que estão juntas dos deuses. "

Os Rapsodos passam a ser vistos por Sócrates como os intérpretes dos intérpretes. O deus possuí o poeta e o poeta possuí o rapsodo e este por sua vez possuí a audiência.

534d “Não é a habilidade nem o conhecimento que lhes permite dizer esses versos, mas um poder divino.É por isso que o deus lhe rouba o intelecto enquanto os usa como escravos, tal como faz com os profetas e os adivinhadores. Não é o seu intelecto que nos fala mas o próprio deus que ganha voz através deles”

Sócrates afirma que Íon está possuído pelo espírito de Homero e por isso é que o declama e interpreta tão bem, levando em cadeia o público a ficar extremamente comovido e impressionado como se fizessem parte da cadeia da tal pedra magnética.

536 a-b
Sócrates.: Sabes então que o próprio espectador é o último dos anéis de que eu falava, a receber o poder que, sob o efeito da pedra de Hércules, passa de um para o outro? O do meio és tu, rapsodo e o actor, e o primeiro é o próprio poeta. O Deus, através de todos eles, dirige a alma dos homens para onde quiser, fazendo passar o poder de uns para os outros.

Sócrates vai argumentando com Ion, no sentido de o convencer que ele é bom a declamar Homero, não porque tenha grandes conhecimentos, mas porque está possuído.
Sócrates faz ver a Ion, que o poeta é capaz de falar sobre todo o tipo de temas, mesmo sem saber nada sobre eles

Se o poeta não possuí a técnica sobre tudo o que declama, então é ignorante.
Por exemplo pode declamar versos em que Homero fala de medicina e nada saber sobre medicina. Ou sobre a tarefa de um general e o rapsodo não sabe nada sobre isso.
Como é técnico Íon é um ignorante, mas como poeta é um ser divino.

Sócrates afirma que cada arte tem a sua natureza própria: a arte do médico, a arte do cocheiro, etc.
E questiona-o acerca da arte do rapsodo?
Será que ele domina todas as outras naturezas quando por exemplo Homero fala da arte do médico em alguma passagem da Ilíada? Pag. 81
Íon acha q sabe e domina tudo!
Sócrates mostra-lhe a sua incoerência:
Ele como Rapsodo não pode dominar as outras artes pois a sua arte é diferente dessas.
Depois de ìon cair em contradição, e admite que tem uma sólida cultura geral
Se o poeta não possuí a técnica sobre tudo o que declama, então é ignorante.
Por exemplo pode declamar versos em que Homero fala de medicina e nada saber sobre medicina. Ou sobre a tarefa de um general e o rapsodo não sabe nada sobre isso.


Ion afirma que qualquer poeta tem obrigação de possuir uma sólida cultura geral.
Sócrates pergunta a Ion se qualquer pessoa com uma sólida cultura geral pode ser um bom poeta?
Sócrates conclui que o poeta ou é um ignorante ou é um ser divino!

09 novembro 2010

7ª Lição- "O Banquete" de Platão

https://www.youtube.com/watch?v=Lyi-1xDIcTU&t=9s




"O BANQUETE" - Platão





O Banquete é escrito no formato de uma peça teatral, em que se apresentam no seu cenário personagens importantes como Fedro, Pausaneas, Erixímaco, Aristófanes, Agatón (anfitrião, tragediógrafo, que oferece o Banquete), Sócrates e Alcibíades.
Simpósio significa banquete, onde se janta e bebe e onde habitualmente eram escolhidos temas de interesse para debater como forma de ocupar o tempo. Costumava também haver divertimentos como música e dança. Ambiente de boa disposição e liberdade.

O Banquete é a obra mais dramática, mais próxima do género teatral
Fica definido que neste banquete não haverá excessos com a bebida, uma vez que os convivas se encontram quase todos de ressaca (177d)
Mandam a tocadora de flauta embora e resolvem dedicar-se ao tema do Deus do Amor. Cada um deles fará um elogio ao amor.

FEDRO
Afirma que o Amor é um grande Deus, tanto para os humanos como para os Deuses, é dos deuses mais antigos, cuja origem é duvidosa…
Parece que não teve pais. Segundo Hesíodo o amor nasceu do caos da Terra
Sem amor nada de Belo se pode realizar
É o mais antigo dos Deuses, e o que tem o poder de levar os humanos a atingir acções belas, com mérito, e a felicidade, tanto na vida como na morte.
O amor é o estímulo para conduzir os homens à virtude
PAUSÂNIAS
Defende que há dois tipos de amor, o celeste – nobre e o popular – vil
Discurso acerca da pederastia, que ele considera o amor nobre, com fins educativos, discurso esse, que é interrompido por um ataque de soluços que o faz concluir o discurso

ERIXIMACO
Visão científica do Amor, explicação pré-socrática
O amor é o princípio que se estende a todo o universo
O amor é a concórdia, a harmonia, entre todos os elementos do universo





Diotima de Józef Simmler,1855



ARISTÓFANES - 189d

Numa mini-comédia explica poetica e mitologicamente a origem do amor.
Fala da origem do Amor, como estando na origem dos humanos.
Antigamente havia 3 géneros: macho, fêmea e um terceiro que partilhava as características destes – o andrógino (género então desaparecido)
O género masculino tem origem num raio de sol, o feminino na terra e na lua.
Os seres originais eram poderosos, possuíam tudo a dobrar: 2 pares de pernas, de braços, etc…
Eram seres ambiciosos que começavam a rivalizar com os deuses.


Os Deuses sentiram-se ameaçados e decidiram acabar com a arrogância dos humanos
Zeus decidiu dividi-los ao meio, um por um. Desse corte ficou a marca do umbigo.
As metades naturalmente começaram a procurar as outras metades, abraçando-se com saudades. Assim permaneciam tentando voltar a fundir-se e recusavam-se a fazer fosse o que fosse. Iam definhando e morrendo, metade a metade.
Então Zeus, vendo que a espécie humana corria riscos de desaparecer pensa noutra solução: muda-lhes os órgãos genitais para a frente, e assim como resultado do união entre homem e mulher resultaria a procriação e a perpetuação da espécie.


Quando uma metade encontra essa mesma metade que lhe pertencera, surge uma estranha sensação de amizade, parentesco, amor.
O amor é a aspiração à união, desejo de totalidade
Na nossa natureza primitiva éramos um todo, reduzidos a metades por Zeus.
Este mito pretende explicar de alguma maneira, a sensação de solidão e o desejo de completude que caracteriza o ser humano, como se lhe faltasse sempre uma parte…ou podemos ver aqui a imagem platónica de anseio de um mundo das ideias que a alma já conheceu antes de nascer e pelo qual suspira.
Há também indirectamente um elogio ao amor entre homem e mulher.






AGÁTON- 195b
Discurso elogioso e poético mas evasivo e pobre em contéudo.
O amor é de todos os deuses o mais bem aventurado. Excede todos os outros em beleza e virtude. É o mais jovem dos deuses, por isso o amor é próprio da juventude.
O amor é jovem, belo e justo






SÓCRATES- 199d
A natureza do amor implica que este seja de alguma coisa (intencionalidade)…
De onde provém esse amor? Do facto de possuir ou de não possuir aquilo que se ama?
Do facto de não possuir
Deseja-se aquilo que não se possui: uma pessoa alta não deseja ser alta, uma pessoa saudável não deseja saúde.

Ama-se aquilo que não se possui, aquilo de que se está privado
Então se o Amor é desejo de Beleza, naturalmente não é belo, senão não a desejava.
Então segue-se que o amor é desprovido de beleza e de bem
Sócrates vai reproduzir o discurso de Diotima, mulher muito culta e versada neste e noutros temas.



DIOTIMA- 201e
No Banquete, o amor é um desejo dirigido para o belo (Kalos) e necessariamente envolve a noção de uma necessidade ou falta (endeia)
Através do mito, que teria sido revelado por Diotima, Eros aparece como um grande Daimon, um dos intermediários entre o divino e o mortal, entre a sabedoria e a ignorância.
Eros é o filho do Engenho e da Pobreza

Tal como o amor é intermediário entre o belo e o feio, o imortal e o mortal, também a filosofia é um meio termo entre a ignorância e o saber
O amor existe em função do que é belo
Para quê desejar o Belo?
Para o possuir, para ser feliz
205c
O amor de que falam, é num sentido restrito
A palavra amor, tal como a palavra poesia tem um sentido lato.
Poesia é qualquer forma de criação
Todos os criadores são poetas, mas não chamamos poetas a todos os criadores.
Aqui falam do amor como forma de aspiração ao bem, à felicidade.


O amor é o desejo de possuir o bem para sempre
Qual o género de vida daqueles que perseguem esse objectivo?
Aquele género que gera o belo tanto através do corpo como da alma
Fecundidade do corpo e da alma
Fecundidade do corpo: união entre homem e mulher, geração, forma de imortalidade
O alvo do amor não é o belo mas sim a imortalidade, o acto de perpetuar


É graças ao artifício da procriação que o ser humano participa da imortalidade.
O desejo de imortalidade é a grande aspiração dos humanos, por ex. o desejo de se tornarem célebres, de alcançar uma fama que perdure para sempre
“Cada homem dá o máximo de si na esperança de que um mérito imortal e de um nome glorioso que lhe corresponda” 208d
Uns procuram a imortalidade através dos filhos, outros através dos seus feitos e do seu nome.
Fecundidade do corpo e da alma


Fecundidade da Alma
Há pessoas com uma alma mais fecunda do que o corpo, assegurando a imortalidade através das suas criações
Aqui se incluem não só os poetas, criadores de obras, como ainda no domínio da técnica, todos os artífices dotados de espírito inventivo
Um ser cuja alma participa do divino, possui o impulso de gerar…


Eros é definido como o desejo de que o bem seja nosso para sempre, e também, como a procura por uma natureza mortal, da imortalidade que ele realiza gerando.
Em seguida, continua o relato dos ensinamentos de Diotima, como uma exposição do verdadeiro amor. O concurso dos belos corpos gera belos discursos.
O amante afasta-se de um único corpo e torna-se um amante de todos os corpos belos, daí volta-se para as belas almas, as leis, observações e conhecimento (episteme), libertando-se sempre da ligação ao particular, até que subitamente lhe é revelada a visão da própria beleza, o Belo em si (211c)

Os graus, ou os “degraus” da iniciação à beleza são na realidade três, cada um deles dividido, por sua vez, em dois momentos.
Primeiro o amante afeiçoar-se-á a um corpo belo, então fará belos discursos; depois verá que a beleza de um corpo é irmã da beleza de todos os outros, assim, passará a amar todos os corpos belos.
O segundo degrau permite passar do amor pelos corpos ao amor pelas palavras.

O verdadeiro discípulo de Eros afeiçoar-se-á, num primeiro momento, a uma alma em particular, para depois descobrir a beleza moral, a dos actos, que torna belas todas as actividades e comportamentos humanos.
Já a terceira etapa, o iniciado passará dos actos às ciências. Aqui, também, num primeiro momento será amor das particularidades das ciências para, em seguida, expandir-se num amor pela ciência ou saber em geral, e enfim alcançar a ciência única, a do Belo em si.

Lá subitamente desvenda-se a beleza eterna e única, o Belo em si, e por si, contempla-se a verdade nela mesma, a beleza divina nela mesma, na unidade da sua forma.
A iniciação foi lenta e gradual, contudo, a revelação é súbita e instantânea. Livre da multiplicidade das aparências e das opiniões, a sua existência reside inteiramente na sua essência.

O amor deixa de ser tensão e tendência em direcção àquilo de que ainda estava desprovido.
Este é, não só um momento de êxtase, como também místico, “êxtase” porque o discípulo sai para fora de si na contemplação do belo transcendente; e “místico” porque é uma coisa tão oculta, que só se revela ao fim de uma longa iniciação pela qual poucos passam.


Socrates vai ao encontro de Alcibíades na casa de Aspasia, (1861).





ALCÍBIADES
Ouvem-se pancadas fortes à porta e logo a voz de Alcibíades, já embriagado, se escuta, a saudar os presentes
Discípulo de Sócrates, dono de rara beleza, Alcibíades obteve grandes glórias militares em Atenas, mas viria a morrer assassinado pelo ódio e pela paixão política dos inimigos
Alcibíades tomou a palavra, não só para elogiar a pureza e a grandeza moral de Sócrates, mas também algumas peculiaridades da sua personalidade que intrigavam muitas pessoas
O discurso de Alcibíades é um retrato admirável de Sócrates

Sócrates não é belo nem feio, mas sedutor e encantador; é pobre e tem os pés descalços, mas está sempre em busca de enriquecimento interior
É ingénuo, mas engenhoso, caçador de verdades. Por sua estranheza e pelo mistério que emana de sua personalidade feita de contrastes é, ele mesmo, uma figura daimónica, mediador e traço de união entre os deuses e os homens.
Sócrates como a imagem total do Amor. O elogio a Sócrates representa o coroamento do Banquete

Terminado o Banquete, em que muito se consumiu de comida e de bebida, conta Platão que alguns se retiraram e outros, vencidos pelo sono e pelos excessos, jaziam dormindo profundamente.
Sócrates, continuava a conversar com dois ou três, assim ficou até raiar o dia. Os ouvintes também terminaram por adormecer e Sócrates, levantou-se então, e retirou-se, acompanhado por Aristodemo, que acabara de acordar.mito de Aristófanes (o Banquete)

28 outubro 2010

6ª Lição - Teorias Platónicas






Teoria das Ideias
 
 


De um lado, os nossos conceitos são universais, necessários, imutáveis e eternos (Sócrates), do outro, tudo no mundo é individual, contingente e transitório (Heraclito).
Deve existir, além do fenomenal, um outro mundo de realidades, objectivamente dotadas dos mesmos atributos dos conceitos subjectivos que as representam. Estas realidades chamam-se Ideias.
As ideias não são, pois, no sentido platónico, representações intelectuais, formas abstractas do pensamento, são realidades objectivas, modelos e arquétipos eternos de que as coisas visíveis são cópias imperfeitas e fugazes.
Assim a ideia de homem é o homem abstracto perfeito e universal de que os indivíduos humanos são imitações transitórias e defeituosas.
Todas as ideias existem num mundo separado, o mundo inteligível, situado na esfera celeste.
A certeza da sua existência funda-a Platão na necessidade de salvar o valor objectivo dos nossos conhecimentos



 

O divino platónico é representado pelo mundo das ideias e especialmente pela ideia do Bem, que está no vértice. (Tríade: Bem, Belo, Verdade)
A existência desse mundo ideal seria provada pela necessidade de estabelecer uma base ontológica, um objecto adequado ao conhecimento conceptual.
Esse conhecimento, aliás, impõe-se ao lado e acima do conhecimento sensível, para poder explicar verdadeiramente o conhecimento humano na sua efectiva realidade. E, em geral, o mundo ideal é provado pela necessidade de justificar os valores, o dever ser, de que este nosso mundo imperfeito participa e a que aspira

 

Admitindo que o mundo sensível, o mundo das aparências, do devir, está constantemente sujeito às mudanças, Platão infere que qualquer tentativa de um entendimento mais profundo sobre a realidade partindo de nossos sentidos jamais daria segurança o bastante para conhecermos a realidade em si mesma.Ao mundo das aparências, reserva-nos o terreno das doxas, das opiniões, sejam elas verdadeiras ou falsas, mas sem os fundamentos necessários e suficientes para que se imponham como uma leitura fidedigna daquilo que está para além das aparências, do que muda.Logo, o conhecimento sensível não é o suficiente para se chegar ao Ser de algo. A ele, contrapõe-se então o mundo inteligível, distinto dos fenómenos, do devir, para se basear em Ideias Fundamentais, Formas Puras, que se desdobram até que possamos perceber meras aparências delas através dos sentidos físicos; sombras.







As Ideias caracterizam-se como causa e modelo da realidade material, tendo uma existência independente do mundo sensível
Estabelece uma ruptura entre o plano inteligível e plano sensível
As Ideias, entendidas como arquétipos, são fundamento e critério de avaliação da realidade sensível
O mundo sensível só existe na medida em que participa do mundo das ideias



"Escola de Platão" Mosaico , séc. I a.C.; Pompeia







TEORIA da PARTICIPAÇÃO



“Se alguma coisa bela existe além do Belo em si, a única e exclusiva razão de ser bela é o facto de participar desse mesmo Belo”(Fédon, 100c)
O plano sensível deve a sua existência à relação de participação no plano inteligível
O conceito de participação é o que permite a inteligibilidade deste mundo sensível
A participação é a razão de ser que introduz ordem e razão de ser neste mundo.






TEORIA da REMINISCÊNCIA




O conhecimento é definido como um reconhecimento, um percurso de anamnese, ou seja, um esforço para recordar aquilo que a alma já sabia antes de habitar o corpo.
É a presença do inteligível nos entes sensíveis que nos desperta a recordação dessas realidades em si, das quais a alma se esquece quando se une ao corpo.

A Teoria da Reminiscência é ilustrada no diálogo "Fedro", de Platão, onde existe um texto chamado “O Mito do Carro Alado”.
Nele, Platão compara nossa alma a um carro alado. Tudo o que nós fazemos de bom, dá forças às nossas asas. Tudo o que nós fazemos de errado, prejudica as nossas asas e tira as suas forças.
Ao longo do tempo, fizemos tantas coisas erradas que nossas asas perderam as suas forças e, sem elas para nos sustentarmos, caímos no Mundo Sensível.
Depois de despertar no Mundo Sensível, a alma consegue apenas uma pequena lembrança do Mundo Inteligível, uma mera recordação. Esta é a Teoria da Reminiscência




No Diálogo "Ménon", Platão narra o problema da Reminiscência discutido entre Sócrates e Ménon. Sócrates afirma neste diálogo que a alma é imortal.
Também afirma que a alma já contemplou todas as coisas existentes. A alma no decorrer da vida vai-se se lembrando aos poucos das coisas que antes sabia.
O que os homens chamam aprender, na verdade é lembrar.
Neste mesmo diálogo, Sócrates pede a Ménon para chamar um de seus escravos para fazer a demonstração da sua teoria,
Sócrates começa a fazer perguntas ao escravo. O assunto, que era Geometria, era tido para Ménon, como um assunto desconhecido do escravo. Na medida em que Sócrates fazia perguntas ao escravo, o escravo foi-se lembrando do assunto que antes contemplara no Mundo Inteligível.
Por não se ter conseguido lembrar de tudo, o escravo a partir daquele momento tentaria buscar a verdade.
Sócrates fez com que o escravo extraísse o conhecimento de si mesmo. Essa é a Reminiscência.


 


5ª Lição - Introdução aos Temas Platónicos. Análise da Alegoria da Caverna



Platão - Alegoria da Caverna

https://www.youtube.com/watch?v=j0rnWv-GPaM



Para ilustrar esse facto, Platão utiliza a Alegoria da Caverna, onde homens amarrados no fundo de uma caverna, virados de costas para sua entrada, têm uma fogueira atrás de si, junto à entrada da caverna.
A única coisa que conseguem ver do mundo lá fora são as sombras de outras pessoas e de coisas que passam pela entrada da caverna, projectadas pelo fogo.
Essas sombras são as únicas informações a que esses homens têm acesso em relação à realidade que podem perceber através dos sentidos.
E é preciso então um esforço em direcção à razão para que eles se desvinculem da caverna e possam ver a Verdade sobre o que a aparência apenas dissimula.


O filósofo é o fugitivo capaz de fugir das amarras que prendem o homem comum às suas falsas crenças e, partindo na busca da verdade, consegue apreender um mundo mais amplo. Ao falar destas verdades aos homens presos às suas impressões, não seria compreendido e seria tomado por mentiroso, um corruptor da ordem vigente.
A Alegoria da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, a passagem gradual do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.
Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência abrange dois domínios: o domínio das coisas sensíveis e o domínio das ideias (diánoia e nóesis). Para o filósofo, a realidade está no mundo das ideias e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo ilusório das coisas sensíveis, no grau da apreensão de imagens, as quais são mutáveis, corruptíveis e por isso não devem ser considerados os verdadeiros objectos de conhecimento.




Imagens (Metáforas) Conceitos Prisioneiros presos na caverna - Condição humana
Trevas, confusão e sombras - Ignorância
Dificuldade de olhar a luz - Força dos velhos hábitos
Resistência dos prisioneiros - Conformismo
Etapas da ascensão até ao mundo exterior - Eliminação de Preconceitos
Perturbação dos prisioneiros - Espanto Filosófico
Contemplação da luz do sol - Conhecimento da Verdade
Compreensão da situação vivida na caverna - Tomada de Consciência
O regresso do Filósofo à caverna - Dever do Filósofo
Partilha da verdade
Riscos de falar a verdade - Alusão à morte de Sócrates
Dificuldade em viver de novo nas trevas - Sofrimento voluntário



Não temos consciência da nossa Ignorância
A natureza humana procura o caminho mais fácil
A verdade acarreta sofrimento
Reconhecimento da Ignorância
Riscos da Verdade

Problema do Conhecimento
Problema Ontológico – o que é a realidade?
Problema Axiológico – valores
Problema Existencial – sentido da vida

Dialética

Para Platão, a Dialética, é um método filosófico de conhecimento, é o caminho percorrido pelo espírito, que tem o objectivo de sair do mundo sensível e chegar ao Mundo das Idéias.
Platão transmite essa concepção através do Mito da Caverna, do livro VII - A República, onde conforme a narrativa, podemos ver o caminho ascendente, e o conhecimento gradual da realidade, paralelamente, da caverna para o mundo exterior

14 outubro 2010

4ª Lição - Demócrito, Platão, Pitágoras


ESTÉTICA na FILOSOFIA

Na Grécia Antiga, a Estética desenvolveu-se a par das Artes Visuais, bem como da Filosofia e das correntes humanistas.
Alguns pensadores formularam teorias da arte com base na prática de artistas, outros pelo contrário influenciaram artistas com as suas teorias.
Ex. A utilização de Canons na Escultura, decorre da filosofia pitagórica
As primeiras teorias estéticas tratam da poesia, por ser o género com que os filósofos estavam mais familiarizados

DEMÓCRITO

Demócrito de Abdera (cerca de 460 a.C. - 370 a.C) é tradicionalmente considerado um filósofo pré-socrático.
Cronologicamente é um erro, já que foi contemporâneo de Sócrates. Do ponto de vista doutrinário, contudo, faz algum sentido considerá-lo pré-socrático, pois seu pensamento ainda é fortemente influenciado pela problemática da physis.
Demócrito foi discípulo e depois sucessor de Leucipo de Mileto. A fama de Demócrito decorre do facto de ele ter sido o maior expoente da teoria atómica ou do atomismo.

Demócrito faz depender a Arte da Natureza.
Afirma o seguinte:
“Fomos todos alunos dos animais em matérias de grande importância: da aranha, na arte de tecer, da tartaruga na arte de construir casas (…)”
A arte imita a natureza (Mimesis)

Demócrito debruça-se sobre o tema dos efeitos da arte:
“Grandes alegrias derivam da contemplação de belos trabalhos artísticos”
Demócrito era um Hedonista, que via todas as coisas do ponto de vista do prazer que daí poderia vir.
Relação entre: Beleza, Contemplação e Alegria

Inspiração

Origem da arte criativa: Poiesis
Poesia: Criação
Passar do não ser ao ser
A criatividade é em Demócrito um estado especial da mente, diferente do vulgar
Esta tese dará origem à associação entre Inspiração e “possessão divina”, ou “loucura das musas”

CÍCERO, Sobre o Orador, II, 46, 194.
Muitas vezes ouvi dizer que não pode existir (afirmação atribuída a Demócrito e Platão) nenhum bom poeta sem entusiasmo da alma e sem um sopro como que de loucura.
Arte Divinatória, I, 38, 80.
Pois Demócrito diz que nenhum poeta pode ser grande sem loucura, afirmação idêntica à de Platão.

HORACIO, Arte Poética, 295.
Demócrito acreditou que o génio é mais fecundo que uma arte pobre e excluiu do Helicão os poetas saudáveis...
18. CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Tapeçarias, VI, 168.
Um poeta, tudo o que ele escreve com entusiasmo é sopro sagrado, sem dúvida, belo...
102, Fragmento, 68.
Em tudo é belo o equilíbrio, mas não, parece-me, o excesso e a carência


Demócrito tem uma posição dúbia entre o ponto de vista mitológico e o científico.
Por um lado afirma que a inspiração do poeta vem de um “sopro sagrado”, por outro defende que toda a criação humana é um processo mecânico e natural.

Cores

As investigações de Demócrito acerca das cores primárias, de onde todas as outras partem, teve fortes consequências para a Pintura
Este tema das Cores teria sido já estudado na Grécia Antiga, mas sempre no âmbito da óptica. Demócrito tem o mérito de trazer este tema para a Teoria da Arte.
Defendia que as cores primárias eram: Branco, Preto, Vermelho e Amarelo

Música

Para Demócrito a Música não é uma actividade primordial do ser humano, não nasce de uma necessidade mas de um luxo.
A música não é um produto da natureza, mas da invenção humana
Atribuí à produção artística uma dignidade humana.

Medida

A expressão “Justo-meio”, é muito usada com Demócrito
Demócrito tal como muitos outros gregos, dá valor à moderação em qualquer actividade humana. O mesmo para a arte e para a Beleza
“Se alguém ultrapassa a medida, as coisas mais agradáveis, tornam-se as mais desagradáveis.”






PLATÃO



Platão de Atenas (Atenas,428/27– Atenas, 347 a.C.)
Discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles.
Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos) em grego significa amplitude, dimensão, largura. Sua filosofia é de grande importância e influência. Platão ocupou-se com vários temas, entre eles ética, política, metafísica e teoria do conhecimento.




Escola de Atenas Rafael

A Escola de Atenas (Scuola di Atenas no original) é uma das mais famosas pinturas de Rafael e representa a Academia de Platão. Foi pintada entre 1506 e 1510 na Stanza della Segnatura sob encomenda do Vaticano. É um fresco em que aparecem no centro Platão e Aristóteles. Platão segura o “Timeu” e aponta para o alto, sendo assim identificado com o mundo inteligível. Aristóteles segura a Ética e tem a mão na horizontal, representando o mundo sensível.


Platão não desenvolveu uma Estética propriamente dita, mas há traços básicos da sua filosofia que trazem consequências óbvias para a Estética:
Os objectos da natureza só existem por imitação ou por participação nas Ideias: o mundo é criado por modelos. O demiurgo é como o artista que cria a partir de modelos.

Em Platão o tema do Belo é recorrente. O Belo em si, é hierarquicamente superior a tudo e igualmente inatingível através dos sentidos.
O Belo em si, está ligado à ideia de Verdade e de Bem.



Sócrates
 
 


 



 Pitágoras
 

O Filósofo e matemático grego nasceu no ano de 580 a.C. na cidade de Samos, fundou uma escola mística e filosófica em Crotona (colónia grega na península itálica), cujos princípios foram determinantes para evolução geral da matemática e da filosofia ocidental. Os principais temas eram: harmonia matemática, doutrina dos números e dualismo cósmico essencial.

A Escola Pitagórica foi a primeira a dar à Estética o seu lugar.
Toda a sua filosofia é uma estética. Desenvolve a Abstracção, as Relações quantitativas, a glória do formalismo
O Número é a medida de todas as coisas
“Os números constituem tudo o que é”
As matemáticas e a música estão ligadas: -“mundo músico”

A ideia pitagórica de Proporção e Medida:
A harmonia resulta da proporção, medida e número, e da correcta relação matemática das partes Graças a Pitágoras a música tornou-se uma arte no sentido grego do termo.
Em vez de Beleza empregavam o termo Harmonia
Os pitagóricos viam a Harmonia, e a proporção como características objectivas das coisas

As suas teorias influenciaram a música e indirectamente a arquitectura e a escultura
A interpretação matemática da música foi a grande conquista da escola Pitagórica, mas também os canons das artes visuais com os seus cálculos aritméticos e construções geométricas, foram decisivas para o início de uma reflexão acerca da Estética

“A Harmonia é a Unidade de muitos elementos misturados, um acordo entre elementos em desacordo”
“Ordem e Proporção são belos e úteis, enquanto a desordem e a falta de proporção são feios e inúteis”
“Não há arte sem proporção, e a proporção reside no número. Toda a arte nasce do número. Assim há uma certa proporção na escultura e na pintura”