22 fevereiro 2011

2ºS. 1ª Lição- Aristóteles (Melancolia)

TEORIA dos 4 HUMORES

A teoria dos Humores hipocrática ou galénica, segundo a qual a saúde depende do equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, procedentes, respectivamente, do coração, sistema respiratório, fígado e baço. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue seria quente e húmido; a fleuma, fria e húmida; a bílis amarela, quente e seca; e a bílis negra, fria e seca.
Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou o melancólico.
Os Humores geram Temperamentos:
nos Coléricos predominava a bílis amarela e eram normalmente representados por uma espada,
nos Sanguíneos predominava o sangue, estes eram considerados hiperactivos sexualmente,
nos Fleumáticos predominava a fleuma, estes eram tidos como calmos e racionais, pouco emotivos sendo frequentemente representados a ler,
nos Melancólicos predominava a bílis negra, estes eram relacionados com a melancolia e são frequentemente representados na cama, em estado depressivo.
Melancolia (do grego μελαγχολία - melagcholía; de μέλας - mélas, "negro" e χολή - cholé, "bílis")



Representação Medieval dos 4 Humores




Horácio, na "Arte Poética" afirma que o verdadeiro artista (como crera Demócrito) é o génio, de características estranhas: tendência para o isolamento, falta de hábitos sociais…

A associação entre uma personalidade melancólica, que sobressai do vulgo, e a personalidade artística, tem a sua origem na Grécia Antiga.

O Problema XXX, atribuído a Aristóteles, é o mais importante texto que associa a melancolia ao génio e à criatividade.
Ver texto em: http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_problema30.htm




“Por que será que todos os homens que foram excepcionais (perittoí)(3) no que concerne à filosofia, à política, à poesia ou às artes aparecem como seres melancólicos (melancholikoí), ao ponto de serem tomados pelas enfermidades oriundas da bílis negra(4) (…) . A ékstasis (6) para com seus filhos e a eclosão de úlceras (…) ocorre aos muitos [acometidos] pela bílis negra.
Também aconteceu de estas úlceras acometerem Lisandro, o lacedemônio, antes de sua morte. Ainda há [os mitos] a respeito de Ájax e Bellerofonte: dos quais um tornou-se completamente ekstátikos, enquanto o outro buscava lugares ermos (tàs eremías edíoken)(7), por isto Homero compôs assim: „Mas, depois que ele [Bellerofonte] se tornou odiado por todos os deuses, vagou sozinho pela plana Aléia, roendo seu coração (thymón) e alijando (8) o caminho dos homens"(9).E, dentre os heróis, muitos outros parecem sofrer o mesmo pathos, sofrimento (homoiopatheîs) que esses.
Entre os mais recentes, Empédocles, Platão e Sócrates (10) e muitos outros dentre os ilustres. E, ainda, a maior parte dos que se ocupam da poesia."


É curioso observarmos a referência a estes filósofos, nomeadamente a Platão e Sócrates.
De Empédocles, é conhecida a história de seu suicídio: ter-se-ia atirado para o vulcão Etna.
Talvez Sócrates se encontra aí referido por causa de seu daîmon, e Platão por ser seu discípulo. No fundo ambos, por serem dados à reflexão...





"E, ainda, a maior parte dos que se ocupam da poesia. resfriados e silenciosos na abstinência; se bebem um pouco mais, torna-os mais tagarelas.
Todos são, então, para falar simples, tal qual sua natureza, conforme foi dito. Quem começar o exame [desta questão] deve tomar primeiramente a causa a partir de um exemplo já disponível. Pois o vinho excessivo parece realmente dispor [as pessoas] tais quais dizemos serem os melancólicos e aquele que [o] bebe [parece] desenvolver muitos éthe (hábitos) como, por exemplo, os irascíveis, filantropos, piedosos, audaciosos; mas não [aquele que bebe] o mel, nem o leite, nem a água, nem nada análogo."
"Aqueles que possuem em sua natureza uma tal mistura, estes tornam-se imediatamente variados, no que diz respeito aos éthe, diferentes segundo cada mistura. (…) Mas, naqueles em que o calor excessivo se combina para um mediano, estes são melancólicos porém mais sensatos e menos excêntricos são distintos dos outros em muitas coisas, uns quanto à formação, outros quanto às artes, outros quanto aos assuntos da pólis.”



Caravaggio- São Jerónimo (representação de um Melancólico)





Até hoje a melancolia foi alvo de interpretações de índole astrológica, fisiológica, teosófica, sociológica, mágica e filosófica. Os gregos antigos, sobretudo a partir de Aristóteles, tiveram o mérito de interpretar a melancolia como resultante de uma constituição natural e fisiológica.

“(...) desde a Antiguidade que a medicina dos humores soube reconhecer na propensão para os sítios isolados um dos sintomas principais da melancolia, as culpas da abundância da atrabílis num temperamento dominado por Saturno, a doença dos coveiros, dos criminosos, (...). Mas também soube descobrir no «desprezo do mundo» o traço do artista e o carácter do génio.”
Jean-Jacques C. Claudine Haroche- História do Rosto. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1997- pág.129

No Problema XXX de Aristóteles faz-se a união da noção de Melancolia com a de Furor Plátónico.

“Fue la filosofia aristotélica de la naturaleza primera en unir la idea puramente clínica de la melancolia y la concepción platónica del furor.”
(R. Klibansky, E. Panofsky. Saturno y a Melancolia. Madrid: Alianza Editorial, S. A., 1991)








Com Aristóteles aceita-se que o artista melancólico seja genial, mas não porque esteja possuído.
Pelo contrário em Aristóteles, o carácter genial resulta da constituição natural e excepcional de algumas pessoas
O excesso de Bílis Negra como constituição fisiológica pode levar algumas pessoas à genialidade, e não apenas à loucura e à desgraça.
Não basta sofrer de desequilíbrios de Bílis Negra para se ser genial, pode ser-se apenas doente ou louco.

A inspiração que conduz à criação poética é um dom natural, faz parte da natureza humana:

“Eis porque o poetar é conforme a seres bem dotados ou a temperamentos exaltados, a uns devido à sua natureza, a outros em virtude do êxtase que os arrebata.”[1]
[1] Aristóteles, Poética 1455a, Lisboa: INCM, 1994, pág. 127

O “Negro” da Bilis Negra, evoca a ideia de sombrio, de noite, de desconhecido, de mal, como fonte de loucura.
Até surgir o texto de Aristóteles a melancolia tinha apenas uma conotação negativa, tal como a epilepsia, alvo de múltiplos preconceitos, associada a forças sobrenaturais, possessões divinas, etc.

A Bílis Negra actua sobre a mente e sobre o comportamento alterando-o, tal como o vinho.


Séc. XIX, representação científica





A diferença é q o vinho produz um estado transitório e a Bílis Negra a quem a possui naturalmente produz um estado permanente.

Como sempre Aristóteles defende o Justo-Meio, o equilíbrio: para que a Bílis Negra origine um Génio e não um tarado, é preciso que a sua quantidade seja na medida certa e a sua temperatura mediana.

A Bílis Negra pode produzir loucos, quando está presente de forma exagerada e descontrolada,
Pode também produzir génios, ou tipo de ânimo particulares, quando a Bílis Negra está presente de forma equilibrada e consistente, ocorrendo apenas excessos de forma transitória, o que pode levar aos ditos êxtases criativos.
Aristóteles defende que os melancólicos são impetuosos, caprichosos, irritáveis e dados a uma imaginação muito rica.
O seu humor excepcional é uma questão natural e patológica.






A. Durer- Os quatro Apóstolos





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