19 abril 2011

2ºS. 8ª Lição- Pintura e Desenho: Noção indiferenciada; Originalidade da Ideia

Holanda não se cansa de louvar o desenho. Para ele nada é mais difícil que o desenho
A sua defesa do desenho a partir do esquisso, como momento projectual e estrutural leva-o a valorizar o desenho por si só.
“vale mais um só risco (…) pela mestria de um valente desenhador, que uma pintura (…) cheia de muitas personagens” (PA, pag. 45)

O desenho é a “coluna” da pintura e não mero género da pintura, ideia que é confirmada pelo próprio, logo em seguida:
“E quem souber com uma pena bem desenhar, saiba certo que não somente é senhor de todos os géneros de pintura, mas que de todas as mais ciências ou ofícios deste mundo tem já sabido a mor parte (...)” [PA, pág. 87]

Holanda parece apresentar-nos uma noção abrangente de Pintura, o que pode ser facilmente confirmado no Capítulo 44º do Da Pintura Antiga. Aqui Holanda apresenta como primeiro género da Pintura, a pintura a gráfio, ou regrão ou estilo, instrumentos de desenho e de delineação. [PA pág. 87]
Se por um lado parece que a Pintura é um saber vastíssimo onde o “desenho a gráfio” se inclui como mais um género ou modo de pintar, diz também:
“O gráfio é o primeiro (…) O segundo instrumento e mais nobre e difícil é com a pena desenhar e lançar as linhas e perfil de toda a gravíssima ciência da pintura, e esta é a coluna desta arte.”
PA pág. 87]

Para Holanda, a “Pintura” tem um significado próprio e simbólico: é uma sabedoria vastíssima, com a capacidade de incluir em si todas as artes visuais possíveis, a arte do mosaico, o baixo-relevo, a escultura, a gravura e até numa precursora noção de design (forma e função) bem presente na sua obra através da inclusão de escudos, brasões, medalhas, divisas, alimárias, invenções de armaria, etc.

O denominador comum de todos estes tipos de "pintura" reside no desenho, enquanto mãe de todos as artes, mesmo aquelas mais recentes, como o design ou as ditas artes decorativas que Holanda cita. A valorização do desenho é típica da própria atitude renascentista. Diz Holanda em Diálogos em Roma, pela boca de Miguel Ângelo, falando acerca da nobre arte da pintura:
“Entenda bem nisto todo o homem que chegar aqui: o desenho, a que por outro nome chamam debuxo, nele consiste e ele é a fonte e o corpo da pintura e da escultura e da arquitectura e de todo o outro género de pintar e a raiz de todas as ciências. (...) E porque grande, mui grande, é a força do desenho ou debuxo, pode Messer Francisco d’ Ollanda pintar, se ele quiser, tudo o que ele sabe desenhar.” [DR, pág. 61-62]

Esta ideia que Miguel Ângelo defende, de que o desenho é fonte e corpo da pintura, vem ao encontro daquela que Francisco de Holanda defende no Da Pintura Antiga quando afirma que “o desenho é coluna da pintura,” [PA, pág. 87] mas é em Diálogos em Roma, pela voz de Miguel Ângelo, que Holanda desenvolverá uma ideia sempre presente na sua obra.
Esta imprecisão ou confusão voluntária de Holanda entre os termos Pintura e Desenho e na sua vasta aplicação a todas as artes, é tão flagrante que M. Lactâncio, nos Diálogos em Roma, questiona Holanda a esse respeito:
"Parece-me, disse M. Lactâncio, que senti a Francisco de Holanda numerar entre as obras da pintura, há pouco, a sepultura que, senhor Micael, esculpistes em mármore; e não sei como isto pode ser, que a escultura nomeeis por pintura."[DR, pág. 42]

A resposta de Holanda é conclusiva, e assumida em total comunhão com Miguel Ângelo. Defende que todos os ofícios que tenham arte, razão e graça, descendem da Pintura.[DR, pág. 42]





Algum tempo depois, no Ciência do Desenho, Holanda sente necessidade de clarificar a noção de pintura. Afirma que a noção de pintura tem sido muito mal entendida. A Pintura da qual Holanda fala e que tem esse poder de ser uma ciência universal, não é pintar nem desenhar, mas trata-se do Desegno. O Desegno, é um dom divino, existente no entendimento e Imaginação da criatura humana, à imagem do Desegno, “eterna sciencia increada”[1] existente no entendimento divino.
A causa de todas as artes e ofícios, diz Holanda é este Desegno sagrado existente no entendimento de Deus. E diz um pouco mais à frente que a glória desta arte não pertence a Apeles, nem a Miguel Ângelo nem a si próprio:
“(...) mas ao Dador e Inventor de todos os entendimentos, que é Deos (...) Assi que seja Elle por isto de infinita glória como merece louvado: e eu abatido como inutil que sou.”, [Da Ciência do Desenho- Fac-simile in Jorge Segurado- FranciscoD’ollanda. Lisboa: Edições Excelcior, 1970, pág, 139]



















O tema da Ideia tem obviamente influência platónica.

Apesar da rejeição que Platão faz da Imagem e do Artista, houve na filosofia neoplatónica uma tentativa de associar Ideia a Imagem.
As ideias da Geometria sempre estiveram ligadas à imagem, apesar de ser um conhecimento abstracto e objectivo, não pode existir sem imagens
Para Platão os artistas eram fazedores de imagens, três graus afastados da Realidade.
Há várias referências na Antiguidade que apontam para a ligação entre ideias e imagens, entre as Ideias de Platão e a Criação Artística.
Cícero refere como o escultor Fídias copiava a “imagem mental” da perfeição divina para criar as suas estátuas de deuses.
“E quando este artista trabalhava a criação de seu Zeus ou de sua Atena, ele não observava um homem qualquer, isto é realmente existente que ele pudesse imitar, pois era na sua mente que residia a representação sublime da Beleza.”
Cícero: Orator ad Brutum (II-9 e III-10)

Aqui o artista não é visto como mero imitador dos objectos do mundo sensível, mas sobretudo como artista criador que possuí no seu pensamento uma imagem interior, que ainda que não possa transmitir na íntegra para a obra de arte por si criada, contém em si uma beleza muito superior à da simples cópia da realidade sensível, uma vez que é apresentada no interior da mente do artista e não no exterior.
Assim sendo, o processo criativo não estaria sujeito aos enganosos orgãos dos sentidos, e a cadeia descrita no Livro X da Républica descrevendo a arte como cópia da cópia deixa de se aplicar a este caso. Podemos dizer que de alguma maneira se defende uma autonomia da arte face à realidade aparente.

Esta associação entre Ideia e criação artística confere ao artista uma superiorização, uma vez que o artista é aquele que está em contacto com o divino através do pensamento.
Plotino dirá que Fídias deu à sua estátua os traços com os quais o próprio Zeus teria aparecido se quisesse revelar-se ao nosso olhar. (Eneida, V, 8,1)




Estas referências da Antiguidade são fundamentais para o Renascimento

O pintor, tal como o filósofo ou o místico aspira a alcançar uma elevação metafísica e transcendental.
O Renascimento só se começa a interessar pela “Ideia” a partir do séc. XVI, com o Maneirismo:
- Francisco de Holanda
- Paolo Lomazzo
- Frederico Zuccaro

Apesar de toda a filosofia neoplatónica de Ficino e Landino, estes autores nunca fazem associar a noção de “Ideia” à de “criação artística”.
São dois artistas que fazem esta associação no Renascimento: Miguel Ângelo e Dürer: “Um bom pintor está repleto de formas dentro de si próprio e, supondo que ele pudesse viver eternamente, encontraria nas Ideias Interiores, de que Platão fala nos seus escritos, onde ir buscar sempre algo de novo para introduzir nas suas obras” Panofsky- “Ideia”, 1983, pág. 148

As Ideias interiores de que Dürer fala aproximam-se mais da concepção neoplatónica da qual Holanda participa do que da concepção verdadeiramente renascentista, e isto numa época em que tais afirmações eram verdadeiramente originais, como esta noção de que o artista pode retirar do seu espírito sempre algo de novo:
“La doctrina de las Ideas, que adquiren aquí casi el carácter de inspiraciones, se acomoda a aquel concepto romántico del genio que ve el rasgo distintivo del verdadero arte no en la exactitud y en la belleza, sino en una infinita plenitud creadora, siempre original y sin precedentes.[1]” Panofsky, , Idea, Contribucíon a la historia de la teoría del arte, Madrid: Ediciones Cátedra, 1977, pág. 110

É a partir de Miguel Ângelo que podemos encontrar a introdução de ideias platónicas na teoria da arte.
Francisco de Holanda é testemunha disto. M. Ângelo usa um vocabulário simples, não recorre a termos filosóficos mas antes àqueles que são próprios da linguagem de um artista.
Miguel Ângelo usa termos como: Ideia, exemplo, norma, forma, conceito, espelho, etc…
Na obra “Idea”, Panofsky, não faz qualquer alusão a Holanda, autor que ele desconhecia totalmente.
Panofsky afirma que o termo Ideia associado à Criação Artística, só surge no Maneirismo tardio, séc. XVII
Se este tivesse lido o Da Pintura Antiga, teria constatado que havia um tratado neoplatónico de Pintura em pleno séc. XVI, que refere a IDEIA.

Holanda fala de Ideia 60 anos antes de Zuccaro e 40 anos antes de Lomazzo
O conceito de Ideia com uma conotação metafísica associado à criação artística surge pela primeira vez com Francisco de Holanda e não no Maneirismo tardio como disse Panofsky.
Nas Vidas de Vasari, a dimensão filosófica de Miguel Ângelo é esquecida, daí a grande importância da obra de Holanda.
Holanda tal como M. Ângelo defende que a Ideia é a força da Pintura, é o a priori sem o qual nada se cria.
M. Ângelo acreditava que desbastando o mármore encontraria a Ideia que conduzia a sua criação.





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